Em sua forma original, o tupi, que até meados do século XVII foi o idioma mais usado no território brasileiro, não existe mais.
Mas há uma variante moderna, o Nheengatu (fala boa, em tupi), que continua na boca de cerca de 30 000 índios e caboclos
no Amazonas.
Sem falar da grande influência que teve no desenvolvimento do português e da cultura do Brasil. Todo dia,
sem perceber, você fala algumas das 10 000 palavras que o tupi nos legou. Do nome de animais, como jacaré e jaguar,
a termos cotidianos como cutucão, mingau e pipoca.
Quando no início do século XVI os portugueses chegaram ao Brasil existiam centenas de línguas indígenas. Para quem queria mandar e confessar, tal abundância de línguas, era um problema. Ainda em 1639, o jesuíta espanhol Cristóval de Acuña, que acompanhou a expedição de Pedro Teixeira em percurso idêntico ao realizado cem anos antes por Orellana, identificava – graças aos intérpretes – apenas nas margens do grande rio e nas bocas de seus principais afluentes, povos que "passam de 150, todos de línguas diferentes". O papel dos intérpretes foi de extrema importância. "O entender o capitão [Orellana] a sua língua [dos Omagua] foi, depois de Deus, o que nos ajudou a não ficarmos no rio. Porque se os não entendesse, nem os índios ficariam em paz conosco, nem teríamos acertado com estas povoações"
Em 1968 foram registradas 1,492 línguas faladas na América do Sul, distribuídos segundo os seguintes troncos linguísticos: 130 línguas Tupi, 108 Karib, 83 Aruak, 34 Pano, 26 Tukano, 66 Gê e mais 271 línguas isoladas ou não classificadas.
Desconsideradas as diferenças dialetais existia uma língua falada pelos Tupinambás desde o litoral paulista até ao litoral norte da Foz do Rio Amazonas. A Coroa Portuguesa incumbiu os Jesuítas para a "aperfeiçoar" e divulgar.
É uma variedade desta "Língua Geral", trabalhada pelos jesuítas e usada nos seus seminários, que foi introduzida na Amazônia e que se veio a designar por Nheengatu, "Fala Boa" em Tupi.
Até 1727 a Coroa Portuguesa encorajou o projeto da Língua Geral como instrumento de comunicação. Os Jesuítas foram incumbidos de construir uma gramática e de instruir os índios apenas nesta língua.
Ao longo do século XVII até cerca de metade do século XVIII milhares de índios foram obrigados a abandonar as suas terras e a trocar as suas línguas maternas pela Língua Geral.
Muitos povos que antes habitavam as áreas de mais fácil acesso haviam sido exterminados completamente e, com eles, suas línguas; outros, num processo acelerado de destribalização, estavam estocados nas aldeias domésticas e haviam abandonado suas línguas maternas pela Língua Geral; e finalmente, a fuga desordenada de outros grupos para as cabeceiras dos rios deixaram despovoados extensos territórios.
A língua portuguesa chegou a estar quase banida. Em Belém e São Luiz todos falavam a tal Língua Geral, sem excetuar as famílias dos colonos e as pessoas gradas. Os jesuítas a usavam até nos sermões e prédicas.
Marquês de Pombal, superministro do rei de Portugal, não conseguia comunicar-se com a maioria de seus funcionários da década de 1750. O novo governador, que não falava a Língua Geral, ficou horrorizado porque bastava deixar o palácio do governo em Belém para encontrar dificuldade em se fazer entender. Ele mesmo conta que, uma vez, apresentado aos filhos de um dos principais lusos da colônia, homem de posses, descobriu que as crianças falavam fluentemente a Língua Geral e apenas entendiam, muito pouco, a língua portuguesa.
Por outro lado, com a chegada à Amazônia de mão-de-obra africana e de populações vindas do litoral brasileiro e de Portugal, os índios deixam de ser a única força de trabalho disponível.
No reinado de D. José I, sob orientação do seu Primeiro-ministro, futuro Marquês de Pombal, os jesuítas são expulsos e inicia-se a portugalização do território.
O projeto de uma língua franca de origem indígena foi abandonado. O Nheengatu é reprimido e os índios chegam a ter de trabalhar 10 anos para receber em troca uma educação em português.
No entanto, as marcas da Língua Geral deixadas durante um século e meio não se apagariam de um dia para o outro nem por meio de decretos.
Esta língua sobreviveu e ainda no século XIX era, na prática, a língua franca da imensa região Amazônica.
O Nheengatu continua sendo falado hoje por uma população cabocla e indígena situada entre a cidade de Manaus e as malocas do alto Rio Negro, numa área aproximadamente de 300.000 km2 e é, sobretudo, um elo de solidariedade inter-étnica.